30 de setembro de 2019

Vinte e quarenta e seis

Um dia disseram-me que eu era a pessoa certa no momento errado.

Eu não acreditei. E magoei-me.

Nunca me senti tão errada. Quando até ali tudo tinha sido tão certo, tão fluido, tão fácil. Era eu quem estava errada. Quebrada.

Eu estava cega. Nunca fui certa. Não para essa pessoa.


Mas e se houver mesmo a pessoa certa e um momento errado?

E se eu já conheci a pessoa certa e era eu quem estava errada, se o momento não era o meu?

Se é possível, se o momento vai e se ele também vai, mas um dia volta num momento diferente?

E se agora eu estou certa, mas ele está errado, porque um dia foi e, por ter ido, voltou quebrado?

O que é que há quando o vento sopra?

Quando esvoaçamos, subimos e aterramos, vemos o céu e logo depois somos pisados, desfeitos em mil bocados.


Eu podia ser certa. Eu podia ter tudo.
Uma casa, um filho, um amor pra vida.

A alma cheia duma história concretizada, a segurança de ter para quem voltar. Loiça para lavar e cabelos desgrenhados. Mostrar nas redes a minha felicidade de porcelana, sem contar sobre as noites mal dormidas, as inseguranças e os pés inchados.

Se eu fosse a pessoa certa, se calhar eu era feliz com os pés inchados. Sexo aos feriados ou quando os putos estão deitados.


Talvez eu vá ser sempre errada.

Ou sempre certa com gente quebrada.

Ou um abrigo temporário para quem é errado como eu e que, de vez em quando, volta sempre, que o momento é errado e, no entanto, naquele instante, não podia saber mais a certo.

10 de outubro de 2018

Vinte e uma e quarenta e oito

É como um calafrio.
A pele arrepia-se e falta-te o ar sem que saibas bem porquê.

E logo de seguida passa e sentes o coração um pouco mais quente.

É assim que sabes que é o destino.
Que pelo menos neste momento estiveste no sítio certo à hora certa.

Não sabes como nem porquê ou sequer o motivo pelo qual te sentes assim.

Provavelmente nem foi tudo perfeito.
Podes apontar o que podia ter sido melhor.

Mas o teu estômago cria borboletas e o teu corpo leva-te sem que o possas controlar.

Tu lembras-te. E reajes.
Tens as bochechas e os lábios quentes.
Estás leve, muito embora tenhas um turbilhão dentro de ti que te faz apertar uma perna contra a outra involuntariamente.

Tu não sabes.
Manténs uma luta interior que te tira o sono em busca de algo que te ajude a perceber porque mexe tanto contigo.

Mas sabes que tem de ser. E vais. Mesmo sem saber porquê.

21 de julho de 2018

Zero e desasseis

Ela vai buscar inspiração ao fundo do poço.

Mergulha e afoga-se em busca das moedas dos desejos.

Flutua.
Alva.
Olhar inerte fixo em coisa nenhuma.

Foi o mais próximo que esteve de voar.

20 de julho de 2018

Vinte e três e cinquenta e dois

"O que é que aconteceu?"

Um planalto.

Toda a minha vida fui alpinista.

Escalei montanhas em busca de sonhos como quem salta de nuvem em nuvem. Até que os sonhos se transformaram em névoa e desfizeram-se entre os meus dedos.

As nuvens fizeram-se rocha maciça, as mãos fizeram bolha, os pés calejaram e os joelhos arranharam. O fácil tornou-se desafiante e aos poucos subi.

Quase lá no cimo percebi. Aquela não era a minha montanha.

"Mas qual?"

Nunca soube. Eu não sei.

Mas arrisquei.
Escalei, escalei, cai, tropecei, sangrei, quebrei, escalei.

Ganhei feridas e cicatrizes, fiz do corpo manta de retalhos e ergui-me. Tentei.

"O que é que aconteceu?"

Eu pensei que estava quase, que as feridas já não ardiam, que a escarpa era firme e o fim estava quase lá.
O sol confortava-me o corpo, iluminava-me o sorriso. E tu! Tão perto!

"O que é que aconteceu?"

A lua brilha fria sobre a ravina.
O corpo deitado sobre o solo gelado.
Imóvel, mutilado, sem saber quanto tempo para a força voltar.

Um planalto.

Na berma uma silhueta com um braço esticado, uma mão aberta, corpo corcovado.

"O que é que aconteceu?"
"Não me ias ajudar?"

Quebraste-me. E eu só te quis concertar.

11 de dezembro de 2017

Zero e trinta e oito

Felicidade.

Felicidade são os sorrisos e as gargalhadas, a espontaneidade de uma idiotice qualquer.

São as noites e copos com amigos, as conversas infindáveis, as aventuras que só acabam de manhã.

São as carícias no rosto, as borboletas no estômago, um abraço, um beijo, um escasso momento infinito no tempo.

São os orgasmos que te fazem soltar um foda-se, porque foda-se! é a melhor coisa do mundo!

É o sangue a fervilhar e o sentimento de poder que te consome no momento em que finalmente alcanças os teus objectivos que logo se somem em prol do próximo sonho que te vai fazer continuar a querer sair da cama.

A felicidade não é o que nos ensinaram quando éramos pequenos.  Não são os contos e os finais serenos e os felizes para sempre.

Felicidade é o momento em que mais nada importa. O coração pesado e a alma leve.

As loucuras, a excitação, a sensação de que tens o mundo nas mãos, de que o universo conspirou para que nada naquele momento pudesse ter corrido melhor.

São os milhares de instantes em que te esqueceste do mundo pelas mãos do mesmo alguém que muito provavelmente também já fez o teu mundo estilhaçar-se no chão.

E está tudo bem.

Porque ser feliz é estar disponível. Deixar que venha o próximo copo, a próxima conversa, o próximo beijo, o próximo foda-se!

Foda-se. A felicidade é um foda-se! e um sorriso aberto.

26 de novembro de 2017

Duas e vinte e um

Sim. Eu sou do tipo.

Fecho a porta e entreabro os lábios.

Sim. O ar calmo e profundo excita-me.
Mordisco-me e passo a língua para os humedecer.

Não. Não é sedução.
É sobrevivência.

Eu sou do tipo.
Cai a roupa e espero vida.

Anseio pelo toque, mato a sede no beijo, acordo quando me agarras e fazes o que queres.

Vivo para ti.

23 de agosto de 2016

Duas e quarenta e nove

Toda a gente paga a vida em sangue, lágrimas e suor.

Bem sei que preferias o sangue dos lábios mordidos, as lágrimas de alegria e o suor da excitação.

Mas são tão poucos os momentos. E surge-te o sangue escondido nas lágrimas por cada vez que tropeças na pessoa errada e ela sangra-te os lábios vezes a menos para a dor que te rouba enquanto se transforma apenas em mais uma desilusão.

Fosse o suor da pele salgada dela junto ao teu corpo em vez das noites mal dormidas com a consciência tolhida pelo mal que um dia te fez. E o bem que fez, mas já não faz.

E as lágrimas. Tu já mal te lembras de como te fazia chorar a rir e enchia o teu peito de luz a cada gargalhada que te arrancava. Mas ainda hoje reconheces o sabor salgado de cada lágrima que engoliste quando ela te deixou desfeito no chão.

Então esfolas os joelhos e sangras ao tentar apanhar os pedaços do chão.

E choras sempre que pegas mais num e recordas o que um dia já foi.

E suas. Porque a cada pedaço que apanhas deixas cair outros tantos e a luta parece infindável.

Mas lutas. Porque a vida se paga em sangue, lágrimas e suor.

E tu queres tanto. O sangue dos lábios mordidos. As lágrimas de alegria. O suor da excitação.

Todos no corpo da próxima mulher que talvez um dia não te parta o coração.