10 de outubro de 2018

Vinte e uma e quarenta e oito

É como um calafrio.
A pele arrepia-se e falta-te o ar sem que saibas bem porquê.

E logo de seguida passa e sentes o coração um pouco mais quente.

É assim que sabes que é o destino.
Que pelo menos neste momento estiveste no sítio certo à hora certa.

Não sabes como nem porquê ou sequer o motivo pelo qual te sentes assim.

Provavelmente nem foi tudo perfeito.
Podes apontar o que podia ter sido melhor.

Mas o teu estômago cria borboletas e o teu corpo leva-te sem que o possas controlar.

Tu lembras-te. E reajes.
Tens as bochechas e os lábios quentes.
Estás leve, muito embora tenhas um turbilhão dentro de ti que te faz apertar uma perna contra a outra involuntariamente.

Tu não sabes.
Manténs uma luta interior que te tira o sono em busca de algo que te ajude a perceber porque mexe tanto contigo.

Mas sabes que tem de ser. E vais. Mesmo sem saber porquê.

21 de julho de 2018

Zero e desasseis

Ela vai buscar inspiração ao fundo do poço.

Mergulha e afoga-se em busca das moedas dos desejos.

Flutua.
Alva.
Olhar inerte fixo em coisa nenhuma.

Foi o mais próximo que esteve de voar.

20 de julho de 2018

Vinte e três e cinquenta e dois

"O que é que aconteceu?"

Um planalto.

Toda a minha vida fui alpinista.

Escalei montanhas em busca de sonhos como quem salta de nuvem em nuvem. Até que os sonhos se transformaram em névoa e desfizeram-se entre os meus dedos.

As nuvens fizeram-se rocha maciça, as mãos fizeram bolha, os pés calejaram e os joelhos arranharam. O fácil tornou-se desafiante e aos poucos subi.

Quase lá no cimo percebi. Aquela não era a minha montanha.

"Mas qual?"

Nunca soube. Eu não sei.

Mas arrisquei.
Escalei, escalei, cai, tropecei, sangrei, quebrei, escalei.

Ganhei feridas e cicatrizes, fiz do corpo manta de retalhos e ergui-me. Tentei.

"O que é que aconteceu?"

Eu pensei que estava quase, que as feridas já não ardiam, que a escarpa era firme e o fim estava quase lá.
O sol confortava-me o corpo, iluminava-me o sorriso. E tu! Tão perto!

"O que é que aconteceu?"

A lua brilha fria sobre a ravina.
O corpo deitado sobre o solo gelado.
Imóvel, mutilado, sem saber quanto tempo para a força voltar.

Um planalto.

Na berma uma silhueta com um braço esticado, uma mão aberta, corpo corcovado.

"O que é que aconteceu?"
"Não me ias ajudar?"

Quebraste-me. E eu só te quis concertar.