21 de julho de 2018

Zero e desasseis

Ela vai buscar inspiração ao fundo do poço.

Mergulha e afoga-se em busca das moedas dos desejos.

Flutua.
Alva.
Olhar inerte fixo em coisa nenhuma.

Foi o mais próximo que esteve de voar.

20 de julho de 2018

Vinte e três e cinquenta e dois

"O que é que aconteceu?"

Um planalto.

Toda a minha vida fui alpinista.

Escalei montanhas em busca de sonhos como quem salta de nuvem em nuvem. Até que os sonhos se transformaram em névoa e desfizeram-se entre os meus dedos.

As nuvens fizeram-se rocha maciça, as mãos fizeram bolha, os pés calejaram e os joelhos arranharam. O fácil tornou-se desafiante e aos poucos subi.

Quase lá no cimo percebi. Aquela não era a minha montanha.

"Mas qual?"

Nunca soube. Eu não sei.

Mas arrisquei.
Escalei, escalei, cai, tropecei, sangrei, quebrei, escalei.

Ganhei feridas e cicatrizes, fiz do corpo manta de retalhos e ergui-me. Tentei.

"O que é que aconteceu?"

Eu pensei que estava quase, que as feridas já não ardiam, que a escarpa era firme e o fim estava quase lá.
O sol confortava-me o corpo, iluminava-me o sorriso. E tu! Tão perto!

"O que é que aconteceu?"

A lua brilha fria sobre a ravina.
O corpo deitado sobre o solo gelado.
Imóvel, mutilado, sem saber quanto tempo para a força voltar.

Um planalto.

Na berma uma silhueta com um braço esticado, uma mão aberta, corpo corcovado.

"O que é que aconteceu?"
"Não me ias ajudar?"

Quebraste-me. E eu só te quis concertar.